Falta de Tempo

A sensação de que falta tempo é generalizada. Entendo, porém, que este sentimento pode ter pelo menos dois significados distintos: falta de vida ou inflação dos desejos.

Comecemos com o mais geral e, eventualmente, mais salutar: a inflação dos desejos[1]. Não é que falte tempo, mas sim que desejamos sempre ir além do possível. Por que isso pode ser salutar? Porque o desejo, junto com o medo, é um grande motivador da ação, a mola da realização, embora também possa ser a semente da frustração.[2] Então, obviamente, não se consegue fazer tudo que se precisa ou se deseja e devemos aprender a priorizar aquilo que seja mais conducente a uma vida melhor – e essa é a melhor definição de importância ou de valor. Porém, é preciso ter cuidado com a ilusão – nem todos os desejos correspondem a necessidades reais ou levam a uma realização integral da pessoa. O homem é um eterno insatisfeito e isso não é ruim – a vida boa é uma construção de si mesmo, “um caminho e não um destino”[3], é estar sempre na rota de seu próprio crescimento como pessoa integral, desenvolvendo-se harmoniosamente em várias esferas da vida.

O que seria falta de vida? Já se disse que todos morrem, mas poucos vivem, pois a maioria apenas sobrevive ou existe. No livro “Antes de Partir” Bronnie Ware, uma cuidadora de idosos australiana, que conversava com seus pacientes sobre suas vidas, relata que o arrependimento mais frequente no fim da vida era que as pessoas queriam ter vivido uma vida mais verdadeira e não de acordo com a expectativa alheia. Muitas pessoas em meus cursos reclamam de falta de tempo para dar conta de “todas as tarefas” sem se dar conta que atarefar-se não significa ser produtivo. Tarefas podem ser executadas automaticamente em resposta a demandas de outros. Produtividade significa gerar valor para a sua vida, o que inclui atender demandas de outras pessoas, mas que, necessária e primordialmente, deve atender demandas internas.

Somos educados para seguir uma expectativa de vida com três estágios: uma rotina de estudo – entendido como preparação para o mercado de trabalho; uma rotina de trabalho – entendido como emprego remunerado; e, finalmente, uma rotina de aposentadoria – entendida como distração e diversão, e como compensação por uma vida de sacrifício. Porém, estudo e aprendizado significam crescimento e aprimoramento pessoal que deveriam ser disciplinas cultivadas em todas as esferas da vida e durante toda a vida. Trabalho não é só emprego remunerado e não é só profissional – trabalho é esforço para criar valor[4]. A ideia da aposentadoria como um éden de ócio parece corresponder ao ideal das classes dominantes ao longo da história. Entretanto, a ideia de ócio pode enfeixar tanto a dedicação à política e à filosofia dos gregos, quanto à erudição e à arte na Europa do século XIX, assim como à frivolidade da França de Luís XV, ou à aptidão física dos atletas, ou ao desregramento sensual proposto pelos poetas malditos. Porém hoje, a grande maioria consome seu tempo livre em distrações passivas diante de telas. Ao invés do ócio ativo e criativo, a distração passiva e estupidificante para matar o tempo que antes faltava.

A pessoa ocupada ou atarefada durante o período de trabalho e que mata o tempo livre não encontra tempo para pensar sobre o que quer da vida, que sentido quer dar a ela ou a qual propósito quer se dedicar. Assim, sem exercitar a reflexão, é vítima fácil daqueles que lhe vendem ilusões e desejos imediatos, vivendo uma vida cujo sentido não é legitimamente seu. Neste caso falta-lhe vida.

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[1] Já expus e expandi a teoria dos desejos de Epicuro em outro artigo intitulado justamente “A Inflação dos Desejos”.

[2] Aliás, ouso dizer que o medo, de certa forma, é a contraparte do desejo. O medo seria um desejo de fuga, assim como o desejo seria um medo da falta.

[3] Lema da Junior Achievement.

[4] Conforme desenvolvi no artigo “Trabalho e Valor

 

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