O sistema capitalista privilegia a liberdade em detrimento da igualdade. Optar pela iniciativa individual significa reconhecer que as pessoas têm capacidades distintas de gerar valor e é apenas o reconhecimento deste mérito que está por trás da tendência à concentração de valor e do consequente aumento da desigualdade inerente ao sistema. Não se trata de ganância dos proprietários dos meios de produção como pensa a esquerda mais rasa. Até porque a ganância (a vontade de acumular além do necessário) é característica inclusive dos burocratas que acumulam poder nas organizações em qualquer sistema econômico.
Imaginemos um paraíso socialista onde as necessidades básicas são garantidas para todos, inclusive a educação, e onde a remuneração de todos os professores de todas as escolas é a mesma. Suponhamos que neste lugar, uma escola eventualmente se destaque por iniciativa ou mérito de alguns professores. Com o tempo, a procura por ingresso nessa escola provavelmente aumentará e será necessário criar um processo de seleção. Qual critério usar: acaso, mérito ou privilégio? Sorteio, exame de admissão, ou privilégio a alguma característica de raça, classe ou status econômico ou social?
Um capitalista, que aceita que as pessoas têm capacidades distintas que devem ser reconhecidas, escolheria o mérito como critério. Assim esta escola tenderia a atrair os melhores alunos e os melhores professores, destacando-se cada vez mais das demais e concentrando a competência. Embora sirva como uma referência para o avanço de outras escolas, a probabilidade é que se torne cada vez mais difícil para elas atraírem os melhores professores e alunos.
O sorteio seria o método mais justo num sistema socialista, que prefere a maior uniformidade. A crítica capitalista diria que deixar as coisas ao sabor do acaso não é digno da agência humana, e que o avanço, se ocorrer, será obviamente menor do que num sistema de mérito. O socialista responderá que o nível geral tende a ser mais uniforme, e provavelmente, mas não necessariamente, menor.
Privilégio soa sempre como injustiça, exceto se for uma “ação afirmativa” de compensação de uma injustiça anterior. Neste caso também o avanço tende a ser menor do que num sistema de mérito, ou, pelo menos, mais lento. A probabilidade é que o diferencial inicial se deteriore com o passar do tempo. Aliás, o privilégio, mesmo quando se constitui em legítima ação afirmativa só se justifica temporariamente, enquanto a injustiça anterior não for equalizada. Privilégio, de qualquer forma, é o método mais propenso à corrupção e à captura pelo elitismo.
Então, mesmo nesse paraíso socialista, se se privilegiar o mérito, o valor (neste caso a inteligência) tenderá à concentração com aumento da desigualdade, o que não deixa de ser uma injustiça com aqueles que não foram bafejados com a sorte de ter melhores capacidades ou condições de adquiri-las. Ora, se foi a sorte que deu o mérito a uns em detrimento de outros, porque não usar o acaso como critério de admissão, diriam os socialistas. Porque o reconhecimento do mérito promove a agência individual e a riqueza geral respondem os capitalistas. Se se optar pelo privilégio à igualdade o nível médio tenderá a ser menor e o avanço mais lento. São escolhas difíceis que colocam em questão a hierarquia de valores de uma sociedade, entre uma riqueza geral maior e mal distribuída ou menor e mais igualitária.
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