Diferenças

Recupero um texto originalmente publicado no Baguete em 2003 ou 2004 porque  pretendo voltar ao tema e citá-lo.

A tolice de Maniqueu é conseqüência direta e natural do idealismo de Platão. Platão criou uma ideia tão forte – a ideia de Ideia – que fez a cabeça de muita gente boa pelos séculos afora. E ainda faz – Roger Penrose, por exemplo. Tempo, espaço, número, o Bem, o Belo, palavras que parecem existir em algum lugar que não apenas na cabeça dos interlocutores: no reino das Ideias Puras. Ora, se o Bem (o Bem puro e absoluto) existe lá, a conseqüência natural é de que o Mal puro também lá esteja. Porém, conceber a coexistência de idéias que provocam sentimentos tão opostos causa desconforto. A solução é dividir o reino das Ideias em dois: o do Bem – associado à percepção da luz – e o do Mal – associado à treva. Na luz tudo se vê. A treva tudo oculta. O Mal existe e se oculta. Tolice! Isso é apenas resultado de uma incapacidade. A incapacidade de conviver com a diferença. O diferente é oposto? Ou será complementar? A diferença nega ou esclarece?

Somos educados dentro do princípio de que a igualdade é o certo: ser igual é certo, ser diferente é errado. Igualdade é a lei, uniformidade é a norma. Norma – lei, normal – costumeiro, costume – moral e ética. Moral vem de “mores” – costume em latim; ética vem de “ethos” – costume em grego. O certo é o costume da maioria, a norma é o costume normal. Normal, conceito estatístico: a média de Gauss. Meio termo aristotélico – a “aurea mediocritas” estoica. O rebanho uniforme segue a mediocridade normal sem ousar a diferença.

O português, o judeu e o negro. Parece início de piada. Piada é sempre sobre “o outro”, o “diferente”: o burro, o sovina e o inferior. Serve para caricaturizar no outro aquilo que reconhecemos em nós como mau ou baixo. Caricaturizo o outro para rir de mim. A base do preconceito é essa diferença cristalizada. Que mal tem rir? Nenhum. O problema é quando se quer extirpar o mal em nós pela violência contra as caricaturas em que transformamos os outros. Psicologicamente é apenas um passo e o politicamente incorreto pode desandar para o eticamente condenável.

E quem ousa ser diferente? O palhaço, o louco e o líder. O palhaço caricato que erra, infringe regras e normas, bagunça o jogo “sem querer querendo” como dizia o Chavez. Palhaço: aquele homem por trás da máscara que conhece a máscara de todo homem. Diferente também é o louco que não joga o jogo porque desconhece as regras. Mas também o líder que muda as regras do jogo.

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