Fracasso e sucesso
Para falar sobre fracasso, cabe questionar: o que é sucesso? Sucesso é relativo, isto é, varia de pessoa para pessoa conforme a sua escala de valores, pois sucesso é o grau de atingimento de objetivos, que são a realização concreta de valores pessoais. Valores são socialmente condicionados pela educação, tendo assim uma razoável unanimidade numa mesma sociedade numa dada época. O problema é que a sociedade nos ensina uma multiplicidade de valores não necessariamente coerentes e o sucesso em um sentido pode significar fracasso em outro: a realização de um valor pode implicar na perda de outro valor. Aliás, essa é a grande dificuldade de priorizar: o custo de oportunidade das nossas escolhas.
Digitel
Em 1978, ainda na pós, fundei a Digitel com dois colegas e um professor. Fui o único a largar o emprego e passei dois anos sem pró-labore, sustentado por aulas e pela minha esposa. Além de buscar o crescimento e o sucesso financeiro, a afirmação do desenvolvimento tecnológico nacional era uma missão e um propósito maior, que inspirou toda uma geração de engenheiros e tecnólogos. A empresa cresceu forte e em 1983 criamos a Altus dentro da Digitel. Prêmios e reconhecimento inflaram meu ego. A liderança era informal e, com o tempo, surgiram atritos entre os sócios.
O “sucesso objetivo” (status, riqueza, reputação) não garante “sucesso subjetivo” (autoestima, amor, satisfação moral), tanto que executivos e celebridades têm taxas maiores de depressão. Na Digitel vivi isso. Faltava liderança formal; as brigas se agravaram, a empresa quase faliu e entrei em depressão por quase um ano. Negociamos capital de risco em condições ruins e, ainda sob efeito da depressão, fui demandado a escolher um dos sócios como CEO; o outro foi demitido e, mais tarde, recompramos suas ações. A empresa voltou a crescer, mas o poder subiu à cabeça do CEO e decisões passaram a ser tomadas sem alinhamento. Vendi minha participação em 1992 quando Digitel+Altus faturaram cerca de US$ 45 milhões. Vendi barato por não dominar valuation e, sobretudo, por querer me livrar do conflito. Fui sincero quando respondi por que havia vendido no auge do aparente sucesso: “eu não era feliz”.
Tirei um tempo com a família e as aulas na universidade. Ganhei proximidade com os filhos, talvez o indicador de sucesso mais duradouro, mas me senti ocioso. Foi fracasso ou sucesso? Objetivamente, deixei dinheiro na mesa; subjetivamente, recuperei leveza e liberdade para recomeçar. Esse foi um aprendizado fundamental: ser fiel aos meus valores pessoais importa mais do que o sucesso financeiro que a sociedade valoriza.
Presenta e Treinar
Estava desiludido com a burocracia e as disputas políticas em empresas maiores. Desde 1983 eu dividia a primeira cadeira de Empreendedorismo da universidade brasileira, que havia criado com o Newton Braga Rosa. Apesar disso, o ambiente acadêmico já não me bastava.
Abri duas empresas de serviços em paralelo: Presenta (solo) e Treinar (50/50). O objetivo era sustentar a família sem “queimar” patrimônio. Não queria repetir um crescimento alavancado. Ainda assim, a “mosca azul” do sucesso havia me picado. A Presenta dependia de mim em tudo. Na Treinar, meu sócio complementava meu perfil em vendas, que reconheço não ser meu forte, mas estávamos em situações de vida muito diferentes e passei a sentir que a igualdade entre desiguais era tão injusta quanto a desigualdade entre iguais. Foram dois “sucessos” no sentido de realizarem por algum tempo o que eu pretendia – sustentar a família. Mas ainda assim me sentia frustrado, saudoso do orgulho de construir algo maior e com mais significado do que a simples sobrevivência. Mas tive outro aprendizado sobre mim mesmo: preciso de sócios. Sócios são um mal necessário ou um bem incômodo, mas talvez deva-se escolher com mais cuidado.
PowerSelf
Eu já havia feito vários cursos de gestão do tempo e sabia que teoria não basta, que a dificuldade é mudar hábitos. Além disso, graças à depressão que havia experimentado, sabia que o foco em produtividade e eficiência era um barco furado se não estivesse embasado na reflexão e no equilíbrio emocional. Nos EUA existiam várias empresas que ofereciam planners com formulários que facilitavam as disciplinas de organização e planejamento. Dois deles também enfatizavam a reflexão para orientar a priorização baseada em valores. Não existia algo assim no Brasil.
Em 1996 dei a Presenta para minha esposa e a Treinar para meu sócio e recomecei com algo que me inspirava como uma missão: criei a PowerSelf Desenvolvimento Pessoal e o Power Planner, um organizer portátil com formulários em papel que orientavam a prática de bons hábitos de organização, planejamento e reflexão. Incluí ainda um formulário para a avaliação qualitativa de sentimentos que auxilia a manutenção do equilíbrio emocional. Desenvolvi vários fornecedores para uma produção terceirizada, absorvendo apenas a montagem final. Acreditava que teria um crescimento significativo, apostando em consultores associados e distribuição nacional. Ignorei alertas de mercado (“o brasileiro não tem cultura de planejamento”), produzi, fiz campanha de marketing, busquei distribuidores. Um ano depois, descartei grande parte do estoque datado. Perdi dinheiro. Ainda assim, treinei consultores, fechei projetos corporativos e, com o tempo, desenvolvi o Método PowerSelf, um conjunto de ferramentas para organização, planejamento, reflexão e autoterapia, tendo impactado positivamente mais de 30 mil pessoas.
Hoje a PowerSelf é uma “eupresa”, depois de já ter tido dezenas de colaboradores. Por que continuo? Porque sigo aprendendo e melhorando minha vida, e gosto de compartilhar esse aprendizado, que considero fundamental. Financeiramente, a PowerSelf foi um fracasso: investi mais do que ganhei e não atingi o sucesso de mercado que planejei. Subjetivamente, foi uma vitória: me tornei uma pessoa melhor, ganhei qualidade de vida, priorizei projetos como a graduação em filosofia aos 60 anos e, em paralelo, criei a WOW Aceleradora.
O que aprendi? Gosto de alertar quem repete “faça o que você ama”: quando você ama, tende a persistir mesmo sem retorno financeiro. Eu pude porque tinha patrimônio e renda – nem todos podem. Dinheiro não garante felicidade, mas sua falta traz infelicidade. E uma empresa é um “animal de sangue frio” em cujas veias corre dinheiro. Nas startups a lógica é crescer ou morrer, e crescimento significa dinheiro de cliente. Dinheiro de investidor só vem se ele vê a perspectiva do crescimento da receita.
WAPT
Minha primeira experiência como investidor-anjo também fracassou. Em 1997, ex-alunos propuseram um provedor de internet. Investi com um amigo empresário. Menos de um ano depois, vi que os empreendedores esperavam que os investidores pusessem a mão na massa e não conseguiriam enfrentar os desafios de um mercado competitivo. Zerei a posição e foquei na PowerSelf, que ainda assim não deslanchou.
Lições:
1) em épocas de hype, mercados sem barreiras saturam rápido;
2) o principal fator de sucesso é a complementaridade e a capacidade de execução do time fundador. Como legado, essa vivência me levou a investir na Vakinha em 2008, que após anos de dificuldades revelou-se um sucesso, e também me inspirou a criar a WOW Aceleradora em 2013.
Conclusão
Sucesso ou fracasso são muito relativos, mas desenvolvi uma convicção: fracasso é não ter objetivos. Tentar e não conseguir não é fracasso, pois sempre se aprende algo e algum legado fica. O problema é que muitas pessoas não têm tempo para (ou melhor, não priorizam) refletir sobre valores e planejar objetivos de vida. Então, na pressa do dia a dia, agem muito sem pensar e se preocupam apenas com o imediato, correndo atrás da máquina, tangidos pelo acaso e pelas demandas em busca de um sucesso aparente de consumo fácil.