Dado, Informação e Conhecimento – COVID, um raio e a grama verde do meu jardim

“ Estatística: a fina arte de torturar os dados até que eles confessem o que queremos ouvir.”
Anônimo

“Todos têm direito à sua própria opinião, mas não a seus próprios fatos.”
Daniel Patrick Moyniham

A COVID19 inunda os meios de comunicação com informações que se pretendem objetivas, estatísticas que dizem se ater aos fatos e depoimentos de autoridades “científicas”. Entretanto umas e outras se contradizem e a disputa, eminentemente política, é o que se destila. Nos grupos de whatsapp discussões se sucedem e amizades estremecem ou se rompem. Me mantenho distante das discussões e justifico porque hesito em tomar partido ou criticar. Primeiro, porque a informação sempre traz um elemento de subjetividade; segundo, porque a ciência nunca pretendeu ser expressão da verdade, mas sim a formulação de hipóteses falsificáveis. Para quem gosta de pensar, é isso que procuro explicar a seguir.

Há mais de trinta anos, no sítio do meu sogro eu dava banho no meu filho numa banheirinha quando um raio caiu numa árvore do pátio. O estrondo foi enorme e o susto inesquecível! A árvore sobreviveu, mas o raio deixou uma marca negra no tronco. Passado tanto tempo, a cicatriz na árvore se confunde com os nós do tronco. Um observador desavisado não a nota, um mais atento sim. Mas mesmo para este, aquela marca não significa nada. Para mim e meu filho traz de volta aquele momento. Essa história ilustra a equação que uso para explicar a diferença entre dado e informação:

Informação = Dado + Significado

Dado ou registro é qualquer marca. A marca da árvore, por exemplo. Poderíamos distinguir as marcas criadas intencionalmente (como números) das acidentais, mas de ambas pode-se extrair (ou a ambas pode-se acrescentar) significado para que passem a ser portadoras de informação. Uma sequência contínua de números pode parecer sem sentido: registros que não trazem informação. Precisaríamos de uma chave ou dica para poder classificá-los ou interpretá-los e pronto: eis que surge a informação.

Ora, a marca, o dado, é sempre objetivo – um fato. Os fatos existem independentemente de observadores que os interpretem. Já a informação contém um elemento subjetivo: o significado, que é sempre interpretativo. O significado pode ser compreendido por várias pessoas o que o torna intersubjetivo, o que muitos confundem com objetividade. Quando digo que a grama é verde, isso parece um fato. Mas o significado de verde para um daltônico é bem diferente do meu. Aliás, varia de pessoa para pessoa. O fato é que a grama reflete alguns comprimentos de onda da luz e absorve outros, mesmo que isso não signifique nada para ninguém. Esta grama do jardim que está diante de mim (fenômeno diria Kant) é um fato que encerra em si milhões de aspectos que também são fatos, muitos deles desconhecidos ou não percebidos por ninguém. Entretanto, o conceito de grama, a palavra grama, que permite a comunicação e o entendimento entre nós, isso não é um fato, é um significado intersubjetivo.

A informação pode ter ou não valor, mesmo para quem a entende. Existem vários tipos de valor: econômico (útil), financeiro (escasso), estético (apreciável), moral (justo), afetivo (amável)… Entretanto, a distinção entre informação e conhecimento, considera apenas o valor verdade (verdadeiro/falso) da informação. Porém, Platão já estabelecia que para que a informação ou opinião seja considerada conhecimento não basta ser verdadeira, pois sua conexão com a verdade pode ser apenas acidental, um palpite. Se digo que a luz da sala ao lado está acesa sem ter verificado o fato e ela efetivamente está acesa, trata-se apenas de um palpite verdadeiro. Mas se eu disser que a luz está acesa porque acabei de acender, trata-se de conhecimento. Outra equação ilustra essa segunda distinção:

Conhecimento = Informação + Valor Verdade + Justificação

“As teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente.” [CITATION Cha93 \p 24 \l 1046 ] Se você concordou com essas afirmações de Chalmers, saiba que ele as usa no livro citado para caracterizar aquilo que se chama de indutivismo ingênuo, uma visão popular da ciência, que ignora que “as proposições de observação pressupõem teoria” (ibid., p.53) e que “observação e experimento orientam-se pela teoria” (ibid, p.59).

Ora, essa crença do credo racionalista na objetividade da ciência geralmente está a par de uma soberba típica daqueles que se julgam iniciados nos mistérios. Assim, a ciência humanista matou as antigas divindades para tornar-se a nova religião. Os avanços tecnológicos ungiram o conhecimento científico com o manto da sabedoria no trono da autoridade e os cientistas tomaram o lugar dos sacerdotes na explicação dos mistérios. A fé na ciência a par da esperança numa expansão ilimitada do conhecimento tornou-se o novo credo de salvação, que tem no transhumanismo sua expressão mais acabada.

Não que eu não tenha também fé na ciência. Tenho, e também espero a salvação da(s) vacina(s). Mas até lá me mantenho isolado porque posso, mas me abstenho das discussões sobre o grau do distanciamento social a ser prescrito para os outros. Vejo claramente que as posições são ditadas pelos interesses afetados ou pela condição privilegiada daqueles que podem abster-se do contato direto. Entretanto, uma certeza que tenho é que eu não gostaria de ter a responsabilidade que pesa sobre os governantes nessa crise. Porém, se eles se colocaram nessa posição, deverão ser louvados por seus acertos e punidos por seus erros, que só podem ser devidamente julgados pela avaliação das consequências. Para mim ainda é cedo para formar convicção e a enxurrada de palpites previsíveis é tanta que não tenho paciência para separar o joio do trigo.

Bibliografia
Chalmers, A. F. (1993). O que é ciência afinal? (R. Filker, Trad.) Editora Brasiliense.

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