Radical de Centro *

As pessoas se declaram de esquerda ou direita por afinidade. Por afinidade de interesses ou afetiva, o posicionamento político é mais emocional do que racional: um perfilamento simpático – ou uma rejeição antipática – a pessoas mais do que a idéias. Uma variante diz respeito ao poder: ser simpático ao poder é de direita, contestá-lo é de esquerda.

Falar esquerda e direita condiciona linearidade em uma única dimensão. O senso comum considera o liberal à esquerda do conservador e à direita do socialista, e o anarquista ainda mais à esquerda. Entretanto, o pensamento conservador tem afinidades com o socialista pela ênfase na ordem e na segurança, enquanto o pensamento liberal converge com o anarquista na valorização da liberdade individual como princípio máximo e na desconfiança em relação ao Estado.

Entendo que a escolha entre esquerda e direita se dá em vários eixos, que representam conceitos opostos. Para isso desenvolvi um ideologímetro que marca a posição intermediária entre estes conceitos. Marque no ideologímetro abaixo onde você se situa:

Comunidade.. _____________!_____________ Indivíduo

Igualdade… _____________!_____________ Liberdade

Segurança… _____________!_____________ Risco

Planificação _____________!_____________ Competição

Uniformidade _____________!_____________ Diversidade

Estabilidade _____________!_____________ Mudança

Natureza…. _____________!_____________ Tecnologia

Ideológica e politicamente me declaro um radical de centro com tendências para a direita. Muitos pensam que é blague, pois acham que radicalismo pressupõe extremismo. Mas, radical é quem vai à raiz do problema, com disposição e disciplina para refletir e analisar todos os lados da questão, suspendendo o julgamento passional interessado.

O “radical” extremado, ao contrário, adota uma posição afetiva, baseada em interesses e não em análise. O “radical” é do contra, se opõe ao que considera diferente, por antipatia baseada mais em sentimento e interesse do que em raciocínio. O “radical” não tem lógica, tem convicção. Certeza visceral, não cerebral. A raiz do conflito político está na paixão cega de quem defende o seu lado, no qual supõe toda a virtude, e joga no outro todo o vício. Isso se chama maniqueísmo. Esta paixão é veemente e o “radical” é veemente na defesa do seu interesse, sempre racionalizado como interesse comum ou verdade definitiva.

Aliás, a veemência é a única característica do “radical” extremista que procuro manter. Defendo veementemente a liberdade de idéias, o pensamento livre e o mais desinteressado possível, o direito que todos têm de defender interesses respeitando o direito dos outros de fazer o mesmo.

O interesse individual deve se subordinar ao interesse coletivo. Mas não existe “o” interesse coletivo, “o” bem comum. O interesse coletivo surge da negociação dos interesses individuais. Não se trata de defender fins, mas sim de assegurar os meios para que essa negociação se efetue. A isso se chama estado de direito.

Platão errou ao jogar a ética para um plano metafísico afirmando a existência de um Bem absoluto e inventando a praga do idealismo. Ética não é coisa de deuses desapegados, é coisa de homens interessados. Todos têm interesses próprios e a sua defesa é legítima. Não é uma questão de fins, danem-se os fins. Os meios é que são éticos. Se o mal existe, ele se chama violência. O que há de terrível na sentença de Maquiavel de que os fins justificam os meios é que ela sanciona a violência.

O uso da força permite ao forte impor suas idéias e manter o poder. Pode-se pedir ao mais forte que não use a sua força? Sim, mas isso é antinatural. O forte só deixará de usar a sua força por temer a união dos fracos. Ou por aceitar o imperativo categórico de Kant. Seja por medo ou pudor, é na repressão do uso da força pelo forte que se baseia o estado de direito.

Mas isso pode facilmente descambar para a ditadura dos fracos – a ditadura do rebanho que, de fato, é sempre uma ditadura de pastores disfarçada. Foi essa a revolução dos séculos XIX e XX, comandada por Nietzsche e Freud: a reabilitação da potência do indivíduo, o uso consciente das forças instintivas do indivíduo como critério maior de verdade e valor.

Para o socialista todos os homens são iguais, mas, quando estão no poder, uns acabam sendo mais iguais do que outros. Os liberais defendem a livre circulação de pessoas e mercadorias, mas de preferência num sentido só – do centro (de poder) para a periferia. Socialismo e liberalismo são utopias – coisas de idealistas. Idealistas querem o poder para colocar em prática suas idéias, o que é um interesse próprio. Defender o interesse próprio é legítimo, desde que se reconheça ao outro o mesmo direito. Por isso, simpatizo um pouco mais com os liberais, embora aqui também se encontrem convictos. O idealista acha que sabe o que é melhor para os outros, pois está do lado da verdade absoluta. Eu tenho muito receio disso. Aliás, me oponho radicalmente a isso.

* Este texto é uma revisão de artigo originalmente publicado no livro “O Entregador de Sonhos”

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