Três Leis

A leitura do prefácio de “Isto é Biologia” de Ernst Mayr basta para inspirar. Aliás, basta uma frase sobre causalidade. “[Além das] leis universais descobertas e analisadas pelas ciências físicas, os organismos vivos obedecem a um segundo conjunto de causas, o das instruções do programa genético.” Este conceito de dualidade de causa no mundo vivo é iluminador. Junte-se um pouco de insight e o conceito dos “memes”, que Richard Dawkins cunhou em “O Gene Egoísta”, e ouso avançar a dualidade de Mayr para uma nova abordagem da liberdade humana e de seu papel na construção de (e submissão a) um terceiro conjunto de leis. Refiro-me às leis culturais (os memes sobreviventes) que se aplicam aos seres vivos inteligentes ou capazes de linguagem simbólica, cujo único caso conhecido atualmente é o da humanidade. Desta tripla determinação nascem a liberdade, a angústia e a vontade.

Quando os vetores das três determinações coincidem tem-se as sensações de vontade e de determinação que parecem vir de dentro do indivíduo, sendo na verdade condicionadas por leis independentes de sua vontade livre. Uma coisa é a “sensação de vontade” e outra, em certos aspectos até oposta, é a vontade como “capacidade de escolha”.

Mas nem sempre a tripla determinação se efetua. O vetor natural, o genético e o cultural não necessariamente convergem. A resultante é a sensação de angústia, ante-sala da liberdade. A angústia, quando não paralisa, propicia o crescimento cultural – a mutação dos memes – operada pela vontade como capacidade de escolha.

Outra intuição a explorar é a da relação entre o módulo da soma vetorial da tripla determinação e a probabilidade de sobrevivência da vida inteligente. Este insight seria o de que quando os três vetores apontam a mesma direção a probabilidade de sobrevivência é máxima e diminui na medida em que uma determinação anula ou contesta a outra.

Rousseau distinguia os homens dos demais animais pela sua perfectibilidade, que estaria ligada à sua relativa liberdade das determinações da natureza. Uma leitura de Rousseau, temperada por Dawkins, diria que a perfectibilidade é exatamente o processo de evolução dos memes, onde a liberdade tem apenas um papel instrumental na maximização da probabilidade de sobrevivência e não se constitui em finalidade em si.

Resumindo minha ousadia filosófica eu diria que a liberdade só é chamada a operar a tal perfectibilidade quando os vetores natural, genético e cultural entram em desarmonia.

E viva a angústia.

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