A ICANN (http://www.icann.org/) é uma ilustre desconhecida no Brasil, mesmo entre aqueles que trabalham com Internet, que sofrem as consequências das suas decisões e participam, marginalmente, das oportunidades abertas por ela.
Estarei relatando minha participação no 35º Encontro da ICANN em Sydney, Austrália, mas este primeiro artigo visa explicar o que é a ICANN. Tentarei ser breve e didático, mas é impossível deixar de usar siglas, já que a ICANN e seus órgãos formam uma constelação de siglas ininteligíveis.
A criação da ICANN marca o início da internacionalização da governança da Internet, processo ainda em curso. Governança da Internet soa estranho, pois nenhum governo tem poder sobre a rede como um todo. A ICANN não manda na Internet, mas sim regula o DNS. O núcleo da Internet é o seu sistema de endereçamento hierárquico (DNS – Domain Name System), que permite mapear nomes de domínios em endereços IP, identificando qualquer máquina na rede e permitindo a troca de mensagens entre elas. A ICANN distribui endereços IP e supervisiona o registro de domínios em todo o mundo.
A Internet é uma criação americana, porém Clinton entregou à ICANN a missão de regular o DNS. De fato, a governança da Internet ainda é americana, pois a ICANN é uma ONG organizada sob as leis da Califórnia e está sujeita a um acordo (JPA) que dá poder de veto ao Departamento de Comércio dos EUA. Seja por receio de entregar poder a outros governos e, ao mesmo tempo, desejo de manter o caráter internacional da rede, seja por inclinação liberal e visionária inspirada em suas origens acadêmicas, a ICANN foi criada com um sistema de gestão “multistakeholder”, colegiado envolvendo governo, academia, iniciativa privada e sociedade civil organizada. Modelo, aliás, que serviu de inspiração para o CGI.br.
Além da importância estratégica como chave para o funcionamento da Internet, o DNS também constitui um mercado: o de registro de domínios. Mercado cartorial, equivalente aos registros civil e de imóveis no mundo real, sua exploração é entregue pela ICANN a “Registries” [1]. O “Registry” é uma empresa ou organização que explora um Domínio de Primeiro Nível (TLD – Top Level Domain) a título oneroso (ou não) e repassa a “Registrars” a tarefa de vender (ou dar) os domínios de segundo ou terceiro nível aos usuários. A Verisign e a Affilias são Registries de gTLDS. O NIC.br é o Registry do ccTLD “.br”, responsável pelo registro de todos os domínios que terminam com “.br”. Os provedores brasileiros (UOL, Terra, Locaweb, iG, etc) representam o papel de Registrars tanto revendendo domínios para o NIC.br quanto para a Verisign. Outros operadores de gTLDs não são muito ativos no mercado brasileiro.
Um “Registry” pode criar domínios de segundo nível, mas deve obedecer a critérios da ICANN para isso. O “Registrar”, por sua vez, pode vender tantos domínios de terceiro nível quanto queira. Suas obrigações são de manter um cadastro dos seus usuários e operar o respectivo servidor de DNS.
A receita da venda de domínios no terceiro nível não chega a viabilizar uma empresa de porte, constituindo-se, no mais das vezes, numa receita complementar de provedores de outros serviços na Internet. Até pode haver um mercado no segundo nível, dependendo das condições. Entretanto, no primeiro nível, o mercado de domínios é bastante interessante. A receita anual da Verisign é de US$ 1,15 bilhão e a do NIC.br é de R$ 60 milhões. Os empreendedores brasileiros, por ignorância, têm desprezado este mercado. Há uma janela de oportunidade aberta na medida em que se discutem as regras (bem mais estritas que as existentes) para a criação de novos gTLDs.
[1] A estrutura do DNS é uma árvore, criada sob inspiração de acadêmicos (americanos) custeados pelo governo (americano). A raiz é o “ponto” (“dot”). Acima da raiz estão os Domínios de Primeiro Nível ou TLDs (Top Level Domains) sempre grafados com o “ponto” na frente (.com, .net, .br, .us).
No início, quando a Internet ainda era exclusivamente americana, os TLDs tinham apenas três letras que mapeavam o mundo (os EUA) em comunidades de interesses (gov, org, edu, com). Com a internacionalização da Internet criou-se a categoria dos Códigos de Países (ccTLDs – Country Codes Top Level Domains) com dois dígitos (“.br”, “.us”, “.fr”, “.ar”) e ps TLDs já existentes passaram a ser chamados de genéricos (gTLDs). A definição do registry autorizado a explorar os ccTLDs foi deixada a cargo de cada país. No Brasil, o CGI foi criado para essa finalidade.
Eventualmente, a exploração de alguns gTLDs foi repassada à empresa Verisign, junto com a responsabilidade pela operação dos servidores da raiz. Posteriormente, a pressão por concorrência no mercado de domínios levou a ICANN a criar novos gTLDs (com 3 letras ou mais, por exemplo “.travel”, “.mobi”, “.asia”), autorizando novos “registries” a explorá-los. A ICANN também foi levada a forçar a Verisign a entregar a outra empresa a exploração do domínio .org.
Mais acima (ou na frente) do primeiro nível, vem o segundo nível, e assim por diante. Quase todos os países (ccTLDS) adotaram as mesmas categorias de três letras existentes no primeiro nível genérico para os seus segundos níveis. Assim, temos “.com.br” e “.gov.br” como exemplos de domínios de segundo nível do ccTLD “.br”. Vale lembrar que o “.com” é um gTLD de primeiro nível explorado pela Verisign, que repassou a exploração do domínio de segundo nível “.br.com” a um Registrar privado, no caso uma pequena empresa inglesa.