Cap. 1 – Escravos do Tempo – Parte 3

Tempo Fracionado – Vida Superficial

Sem tempo livre para a reflexão, a ansiedade toma conta. A multiplicidade de eventos que se apresentam fraciona o tempo de tal maneira que não se consegue dar atenção a nada. Nada merece consideração maior do que alguns minutos. Nenhuma questão pode ser profunda. Os resultados precisam ser práticos e imediatos. A vida torna-se superficial e apressada.

Quem tem tempo para amar ou para fazer diferença? O amor e a honra perderam a essência do seu valor. Busca-se a aparência e o efeito, desvinculados da essência, da prática das virtudes que são sua causa. O desejo é de sexo – o amor instantâneo que não precisa ser cultivado e mantido pela atenção. O desejo é de dinheiro fácil – a riqueza imediata que não precise de trabalho. O desejo é de fama instantânea – a glória rápida que não requer esforço nem mérito. Inverte-se o ideal platônico, quanto mais aparente e efêmero, melhor. A aparência vale mais do que a essência. Se tudo muda e nada permanece, então a imagem instantânea é tudo. O que importa é parecer, o ser torna-se secundário. Informática, comunicações, internet, moda, notícia, lazer, terapias psi, todas as indústrias de serviços da sociedade pós-moderna vivem da manipulação de imagens.

Numa sociedade virtual, em que milhares de versões se multiplicam sem que ninguém saiba se há um fato, a versão precede o fato e acaba por criá-lo. Os criadores de versões adquirem poderes demiúrgicos, de criar realidades a partir de virtualidades. A mágica se torna uma ciência e vice-versa.

A pressa, o ritmo acelerado da vida torna-se um vício. Semelhante à nicotina, à cocaína e a outras drogas que, uma vez experimentadas, demandam doses cada vez maiores, a adrenalina, decorrente do estresse e da pressa, também vicia. Se, antes, a comunicação por carta satisfazia, hoje fica-se impaciente diante do e-mail que demora segundos para ser visualizado, ou puxa-se ansiosamente o papel da máquina de fax, porque demora a sair. Antes ia-se a pé para o trabalho. Hoje buzina-se ansiosamente porque o carro da frente demora três segundos para arrancar quando o sinal abre. Quando os carros surgiram, a velocidade de 60 Km/h assustava. Hoje, as pessoas ficam ansiosas ao dirigir a essa “baixa” velocidade.

A vida sem urgência parece perder a graça. A capacidade de reagir rápido parece ser mais importante do que a de agir certo. Assim, abdica-se daquilo que distingue o homem dos outros animais e dos autômatos: a capacidade de escolher como agir, ao invés de reagir de maneira padronizada.

A Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) torna os usuários cada vez mais eficientes. Realmente, hoje pode-se fazer mais em menos tempo. Mas a que preço?

A TIC cria uma distorção: valorizar mais a eficiência do que a eficácia. Valoriza-se mais a resposta rápida do que o questionamento do resultado que se pretende e isto faz com que as pessoas não tenham tempo para pensar, questionar, entender. Tornam-se vítimas das circunstâncias e perdem a influência sobre elas. Ouso afirmar que quanto mais “tecnológica” é a pessoa, menores são as suas chances de ser eficaz, de fazer diferença e, de modo geral, de sentir-se realizada. Por que? Porque a tecnologia multiplicou as interações e acelerou a capacidade de reagir a elas. E a reação rápida de base emocional nem sempre é a melhor do ponto de vista racional. A TIC acaba por produzir tics (nervosos).

O culto ao instantâneo tem dois efeitos maléficos: 1) a frustração de verificar que mesmo com ferramentas mais rápidas, versáteis e portáteis, a capacidade de entendimento não aumenta; 2) o estreitamento do horizonte de tempo, priorizando a adaptação às circunstâncias imediatas em detrimento de uma visão crítica que possa modificá-las no longo prazo. Assim cria-se uma distorção da perspectiva do tempo e da vida e o que preocupa é que esses efeitos afetam ainda mais, e cada vez mais, os jovens.

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