Deixar comida no prato

É impressionante a força dos condicionamentos infantis. Entre muitos ensinamentos valiosos, os pais nos passam algumas neuroses.

Minha mãe passou dificuldades na infância. A comida precisava ser plantada ou criada pela família, colhida ou abatida, e cozinhada com água de poço em fogão a lenha. Isso quando não faltava. Embora na nossa casa não faltasse nada, ela me ensinou a “não deixar comida no prato”:

– Ou não se serve de muito ou come tudo. Tem gente passando fome e tu não pode esbanjar. Onde já se viu jogar no lixo comida boa que deu tanto trabalho preparar!?

Então, até hoje eu não consigo deixar comida no prato, mesmo quando meu olho é maior que a barriga e eu me sirvo além da conta. Resultado: sobrepeso, apesar dos exercícios e eventuais dietas.

Então eu me casei com uma mulher que deixava comida no prato!!!

– Mas como? Tu não vais comer tudo?

– Não. Já estou satisfeita.

– Mas tem gente passando fome – criancinhas na Índia e na África.

– Sim, mas o que vai mudar na vida delas se eu me empanturrar? O que vai mudar é a minha saúde, que vai piorar.

A lógica da minha esposa era irretorquível. Concordei que, de fato, eu era vítima de uma neurose infantil.

Também pode ser que eu esteja culpando a mãe (sempre elas) pela minha gula, esta sim a grande responsável pelo meu sobrepeso.

Agora perguntem se eu consigo deixar comida no prato mesmo com essa consciência. A resposta é: quase nunca. Mas a batalha da lógica contra a neurose e o vício, pelo menos, agora é travada à luz da consciência.