Ray Kurtzweil previu que a singularidade tecnológica ocorrerá por volta de 2055 quando as máquinas serão capazes de criar máquinas mais inteligentes do que elas próprias disparando um novo processo de crescimento exponencial da inteligência e da riqueza[1]. A humanidade, então, se safará da sina de Sísifo e não precisará trabalhar para prover sua subsistência sendo sustentada por alguma forma de renda mínima universal. Então, o que as pessoas comuns farão do seu tempo totalmente livre? Viveremos um éden de ócio criativo ou mergulharemos num purgatório de futilidade e tédio?
Numa entrevista recente Elon Musk referiu que talvez o maior problema da humanidade, neste futuro dominado por máquinas, será a falta de propósito. Intuo por trás da fala de Musk os princípios utilitaristas que constituíram o fundamento ético do desenvolvimento do capitalismo liberal. Para ele, o propósito da vida humana é ser útil, criar coisas úteis para a humanidade e, eventualmente, vendê-las no mercado. O trabalho útil não precisa ser remunerado, basta aumentar a felicidade geral. A essência do valor econômico é a utilidade que, entretanto, é apenas uma das formas de valor. Mesmo sem confundir valor econômico com o preço, que traduz o valor financeiro, ou seja, a escassez relativa entre oferta e demanda, deve-se lembrar que há outras formas de valor – moral, religioso, artístico, afetivo – que, em épocas anteriores, foram até mais apreciadas do que a utilidade, e buscadas como propósito da vida.
Penso que a resposta não está no futuro de uma nova realidade objetiva em que as máquinas e seus proprietários serão os novos donos do mundo e sim no futuro subjetivo das expectativas e desejos que as pessoas demonstram mesmo hoje. Até porque, para o homem comum, os donos do poder sempre foram tão distantes quanto os deuses no tempo de Epicuro, que recomendava que não nos preocupássemos com eles já que eles não se ocupam de nós.
O que as pessoas fazem com seu tempo livre hoje? A grande maioria brinca, se distrai e consome. Alguns se intoxicam com drogas, adrenalina, comida ou outros prazeres em excesso. Há os que cuidam do próprio aprimoramento físico, mental ou espiritual, o que não deve ser confundido com o cuidado fútil e exibição da aparência física ou de símbolos de status. Também há os que cuidam de outras pessoas, animais ou plantas. Há ainda os que se dedicam à ciência, à filosofia e à criação artística nas suas mais variadas formas. E não se pode esquecer daqueles que dedicam sua vida à religião ou a cultos dos mais diversos matizes. Provavelmente, muitos façam um pouco de tudo isto – e fazem disso o propósito de suas vidas. Não creio que aquilo que fazemos voluntária e livremente de nossas vidas vá mudar muito não. Apenas teremos mais tempo para isso.
Creio eu que o problema maior não será a falta de propósito ou a falta de trabalho, mas sim a desigualdade entre os homens – principalmente em relação ao poder, cada vez mais concentrado na mão de poucos, que poderão atuar como os deuses do Olimpo, com cuidado pela humanidade ou usando os demais a seu bel prazer. Com o enfraquecimento dos Estados nacionais, não vejo como os organismos multilaterais e outras instituições terão o poder para criar os mecanismos necessários para regular esta situação, e que foram elencados pelo ChatGPT no meu post anterior.
Será que as máquinas superpoderosas ou seus donos terão o poder e a vontade de frear o aumento da desigualdade e a degradação ecológica causados pelo desenvolvimento tecnológico que as gerou ou beneficiou?
Referências
Kurtzweil, R. (2008). The singularity is Near – When humans transcend biology. London: Duckworth Overlook.