Costumo falar sobre os múltiplos significados da palavra tempo. O tempo do universo: o movimento dos astros, e da Terra em especial, regulando nossos relógios biológicos e ritmos da vida. O tempo da sociedade: o tempo marcado dos calendários, relógios e fusos horários, que regula a vida em comum. O tempo da pessoa: a atenção à memória (passado), à expectativa (futuro) e à percepção (presente), que é o tempo vida, onde a vontade pode agir e o sentimento define a qualidade, pois memória, expectativa e percepção estão sempre recheadas de emoção.
Estou na Austrália para conhecer meu neto que tem 4 meses de vida. Está sendo uma viagem por muitos tempos. Em primeiro lugar a diferença de fuso horário: a Austrália está 13h à frente do Brasil. Difícil sincronizar os encontros e reuniões, pois um acorda quando o outro vai dormir. Fiz uma reunião entre três pessoas: uma no Brasil recém acordada às 9h da manhã, outra em Portugal às 4h da tarde e eu em Brisbane às 10h da noite. Apesar da diferença de fuso, as reuniões continuam acontecendo nos horários combinados, mas eu estava morrendo de sono no fim daquela reunião. O tempo social se subordina ao tempo do universo.
Outro problema do tempo em viagem é o “jet lag”. Nosso relógio biológico circadiano1 não se ajusta tão rapidamente à variação da duração do dia durante um voo tão longo. Resultado: nos primeiros dias após o voo acorda-se à meia-noite, tem-se muito sono depois do meio-dia, e nossa capacidade de atenção e de trabalho fica prejudicada. O tempo pessoal também se submete ao tempo do universo.
O encontro com meu filho mais velho e com meu neto também foi uma viagem no tempo vida. Há mais de um ano não abraçava meu filho e, obviamente, não conhecia meu neto pessoalmente. A instantaneidade da comunicação eletrônica nos permitiu manter contato sempre, mas apenas visual e auditivo. Porém a percepção, que é a essência do presente e de estar presente, não é completa sem todos os sentidos: o tato e o olfato, pelo menos, são essenciais para uma experiência afetiva completa. Abraçar meu filho e meu neto, reconhecer o perfume de um e conhecer o cheirinho de bebê do outro era algo que me fazia falta.
Outra viagem no tempo da atenção foi notar como um bebê de 4 meses vive apenas no presente, colhendo percepções e experimentando sensações no próprio corpo. Está conhecendo, ou melhor, experimentando o mundo sem ainda poder reconhecê-lo, pois ainda lhe falta memória. O choro é expressão de sensação de desconforto apenas: fome, sono, frio ou calor. Ainda não é desejo, pois o desejo depende de criar a expectativa de um objeto que se espera que diminua o desconforto. E isso depende de aprendizado. As expectativas que o afetam não são ainda dele, mas dos pais e avós que esperam que ele role, sorria, durma. Isso é muito diferente de um adulto, que coleciona memórias e acalenta sonhos de realização. Essa imersão total no presente só não é budista porque o desapego das necessidades que o budismo prega também é um aprendizado.
Desculpem-me por viajar em tantos sentidos. Talvez um diário de viagem fosse mais interessante.
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1 Circadiano vem do latim “circa diem” – em torno do dia – um relógio-mestre no cérebro, que se regula pela luz solar e coordena milhões de relógios periféricos nas células do corpo, definindo as oscilações da temperatura corporal, pressão arterial, níveis hormonais, produção de urina, frequência cardíaca etc.