Comecemos pelo dicionário. O verbo empreender tem duas acepções. Como verbo transitivo significa “decidir-se a fazer alguma coisa laboriosa e difícil; pôr em execução”. Como verbo intransitivo seu significado é “cismar; ter apreensões contínuas”. Parece que o sentido transitivo ocorre no início do empreendimento e o sentido intransitivo durante.
Todo início de um empreendimento envolve o enfrentamento de dificuldades. Quais? Certamente há inúmeros e variados obstáculos objetivos, mas o maior desafio a vencer é subjetivo e é um só: o medo e seus derivados menores – angústia, ansiedade, preocupação, timidez. Certamente, um empreendimento em curso gera apreensões, também filhas do medo. E nestas ocasiões elas podem chamar seus irmãos maiores – os superlativos do medo: o pânico, o pavor, o terror.
Medo: o grande obstáculo – coragem: a capacidade de enfrentá-lo. Aristóteles condenava tanto a sua falta, a covardia, quanto seu excesso, a temeridade. Temeridade: ignorância do perigo, excesso irresponsável, inflação do desejo. Talvez seja necessário um grau de coragem para além da coragem para iniciar um empreendimento. O empreendedor iniciante é sempre, em certa media, temerário, pois ignora, senão por completo, em boa parte, os perigos e obstáculos. Uma forma de ignorância no gênero “ele não sabia que era impossível, então foi lá e fez”. Pelo menos foi assim comigo.
Por que embestei de criar uma empresa aos 23 anos? Não foi uma decisão racional. Lembro bem: foi uma visão. E sei exatamente o momento: eu já estava na Pós-graduação em Ciência da Computação em 1976 quando li o exemplar comemorativo dos 50 anos da revista Electronics. Havia uma foto de Hewlett e Packard nos primórdios da HP. Dois rapazes ao lado de uma bancada. A HP e seus osciloscópios e equipamentos de alta precisão, seus minicomputadores (ainda não havia o PC nem a Microsoft), sua aura de empresa de “cientistas” nascida na academia e preservando os valores aristocráticos da academia, tudo isso inspirava em mim uma profunda veneração, mesclada com uma inveja terceiro-mundista. E, de repente, aquela potência me era revelada em sua origem mais singela: dois rapazes, alguns equipamentos, uma ousadia juvenil e o apoio de um professor. Olhei para os lados e vi bancadas semelhantes no laboratório do CPGCC. Havia o apoio de uma política de reserva de mercado pela qual eu já propugnava nos congressos acadêmicos. Só faltava a ousadia! Então eu formulei a pergunta mágica: Por que não? Por que não criar uma empresa de tecnologia?