Conflações

A filosofia usa palavras para falar… do significado das palavras. E cria palavras para explicar… novos significados. Uma delas é conflação: a falácia lógica de tratar conceitos distintos como se fossem um. E conflacionamos muito!

Por exemplo, o termo ‘poder’ conflaciona o ‘poder de’ fazer algo (capacidade, potência, agência) com o ‘poder sobre’ outras pessoas (influência, comando, domínio). À primeira acepção subjaz a ideia de cooperação, a segunda evoca conflito – nada mais distinto.

Outro exemplo: ‘verdade’. Há pelo menos quatro significados de verdade. Um deles é aletheia – a revelação da verdade oculta. No platonismo a verdade está num mundo ideal do qual a realidade é uma cópia imperfeita. A busca desta verdade, que se revela por trás das aparências da realidade, é o moto da pesquisa científica. Conhecimento (episteme) é a crença que corresponde a esta verdade e que justifica essa correspondência, sustentando suas razões pela argumentação lógica. Conhecimento não é mera opinião (doxa), essa crença baseada na intuição das aparências e que se justifica apenas pelo hábito.

A palavra grega parresia enuncia outro conceito de verdade: a verdade do discurso ou franqueza. O dizer a (sua) verdade a qualquer custo e sem outra finalidade é uma virtude, um dever e uma capacidade – quase uma técnica. Virtude da franqueza, da transparência, honestidade de quem nada esconde. Dever de respeitar a verdade que se justifica e mudar de opinião. Capacidade de convencer pela mera enunciação da verdade, sem usar recursos da retórica.

A palavra latina veritas traz uma terceira acepção: a verdade do registro – rigor e exatidão. Veritas é a veracidade do registro da realidade, que observa e descreve; que infere, não prescreve, não julga nem avalia, não ordena nem condena. O registro é verdadeiro quando exato: não manipulado, nem distorcido. E se verifica verdadeiro se confirmado pela experiência. Esta verdade também é cultivada pela ciência objetiva.

A quarta noção de verdade é dada pela palavra hebraica emunah: a verdade da fé ou confiabilidade. É a crença na promessa, fidelidade à palavra divina e à palavra empenhada. Convicção inata, independente da razão.

Onde então está a verdade do poder? Que confusão de conflações!

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