Antes de Partir

Acontece de você se dar conta de que esqueceu a chave de casa no momento em que bate a porta – e a chave ficou trancada dentro? Pois é… o bater da porta funciona como um clique tardio. Realmente, o normal é a ansiedade por chegar ao lugar aonde se deve ir, ou pela “próxima atração” na TV. Esta antecipação do futuro – a pressa – é responsável por muitos esquecimentos que geram enormes perdas de tempo.

Por isso eu desenvolvi o hábito “Antes de Partir”: um pequeno ritual de três a cinco minutos antes de parar o que estou fazendo e ir para uma reunião ou sair do ambiente em que estou. Esse ritual envolve:

1)      Se vou interromper uma tarefa longa a meio, marco o ponto de interrupção e deixo um recado para mim mesmo dizendo o que eu estava pensando em fazer a seguir;

2)      Penso nos lugares que irei antes de voltar e se tenho pastas ou material de referência a levar;

3)      Coloco na mochila material necessário e não esqueço o Power Planner, o Notebook e minha Pasta de Pendências – ou apenas pego o celular e a carteira de documentos, caso se trate de um bate-e-volta e eu não precise de mais nada;

4)      Organizo o local que estou deixando, colocando as coisas que usei nos seus respectivos lugares.

Essa rotina não toma mais do que cinco minutos e economiza muito mais do que isso, tanto na prontidão da informação necessária durante as reuniões (e que muitas vezes é esquecida na pressa de partir) como na retomada posterior das tarefas. A maioria dos adiamentos se dá pela falta da informação necessária.

Você já tentou retomar a leitura de um livro que estava lendo e que deixou de lado há algum tempo atrás sem deixar um marcador no lugar em que interrompera a leitura? Provavelmente releu várias partes até encontrar o ponto em que se encontrava, não? É impressionante como o fato de deixar uma marca no local físico em que se estava no ponto de interrupção acelera a recuperação do estado de concentração quando da retomada do trabalho[1]. O recado para si mesmo acelera ainda mais essa retomada.

Confesso que o desenvolvimento deste hábito é algo relativamente recente e me tornou pontual. Sim, antes eu era alvo de piadas de amigos que brincavam com os pequenos, mas recorrentes atrasos do “especialista em gestão do tempo”. Hoje, posso dizer que estou surpreendendo com minha nova pontualidade graças ao desenvolvimento do hábito “Antes de Partir”.

Mas, para desenvolver um hábito você precisa criar três fatores: o clique, a recompensa e o anseio pela recompensa [2] e repetir a rotina muitas vezes até torná-la automática. Em seu livro “O Poder do Hábito”, Charles Duhigg dá vários exemplos de como usar os três fatores para criar e mudar hábitos. O clique é o elemento disparador do ritual – tem de ser algo objetivo que ocorra necessariamente e desperte a rotina. Na minha rotina “Antes de Partir” o clique ou é o lembrete do próximo compromisso ou, na ausência deste, é o ato de pegar o celular ou desligar o computador. Isso dispara a rotina dos quatro passos acima.

As recompensas que desenvolvi são duas: 1) congratulo-me antecipadamente por saber que não vou me atrasar nem lamentar esquecer nada, e 2) tenho a satisfação de deixar meus ambientes de trabalho sempre asseados[3].

Entretanto, confesso que este hábito não está completamente consolidado, pois experimento ainda uma enorme dificuldade em relação ao desenvolvimento do anseio por essas recompensas. Isso porque há outro anseio no sentido contrário – de continuar o que eu estava fazendo. Diferentemente da maioria das pessoas, tenho pouca dificuldade para atingir o estado de concentração necessário para as tarefas que requerem atenção. Mas, quando atinjo este estado de foco, anseio tanto por me manter nele que, muitas vezes, o clique do lembrete passa praticamente despercebido.

O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi (pronuncia-se “six-cent-mihaly”) dedicou-se a estudar o estado de atenção sem esforço em que se atinge uma concentração tão profunda que se perde a noção do tempo, de si mesmo e de qualquer outro problema. As pessoas que o experimentam descrevem uma experiência de alegria que Mihaly chama de “experiência ótima” ou “estado de fluxo”. Nesse estado, manter a atenção concentrada numa tarefa cognitiva não requer o esforço de controle deliberado da atenção. As características principais do estado de fluxo são:

  • Objetivos claros e alcançáveis, alinhados à percepção de capacidade da pessoa;
  • Concentração e foco: imersão no tema e campo de atenção limitado a ele;
  • Perda de inibição: uma união entre ação e percepção;
  • Percepção de tempo distorcida: a experiência de duração é alterada paralelamente ao ajuste de comportamento provocado pelo efeito retroativo direto e imediato dos acertos e falhas percebidos.
  • Equilíbrio entre os níveis de desafio e de habilidade. Há necessidade de um nível de desafio para entrar em fluxo, mas se o desafio é percebido como muito além da habilidade, o estado de fluxo não se estabelece.
  • Sensação de controle pessoal sobre a atividade;
  • Recompensa intrínseca à própria atividade reduz a sensação de esforço mental.[4]

De fato, estou ainda no processo de usar essa capacidade de concentração residual para focar no recado para mim mesmo assim que o lembrete aciona o clique da rotina.

 

[1]  Editores de texto e planilhas eletrônicas permitem que se agregue um Comentário a um parágrafo ou célula. Para trabalhos em papel, o Post-it é a melhor solução.

[2]  DUHIGG, C. (2012). O Poder do Hábito. (R. Mantovani, Trad.) Rio de Janeiro: Objetiva.

[3] Como dou cursos e palestras em ambientes de terceiros, também me congratulo pela certeza de que passei a deixar tudo no lugar que encontrei.

[4] ZIMBARDO, P., & BOYD, J. (2009). O Paradoxo do Tempo. (S. Adriano, Trad.) Rio de Janeiro: Objetiva.

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