Os gregos tinham duas palavras para referir tempo: Cronos e Kairos. Cronos denotava o tempo quantitativo associado à medida do movimento, contado em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos. Uma dimensão em que o presente é um instante sem duração que avança continuamente, devorando o futuro e deglutindo o passado. É o tempo que usamos na programação do dia-a-dia. Já Kairos tinha o significado mais sutil de “momento certo” ou “oportuno” e refere um tempo qualitativo, um momento de ação ou propício para agir, de maneira a alterar o destino.
Kairos não é contado em unidades de tempo, mas em feitos, e avança por eventos significativos. É o tempo das histórias que contamos. Kairos não é contínuo, mas se desdobra em janelas de oportunidade em que o destino é alterado por ação, por omissão ou por acidente.
A Índia antiga tinha as mesmas duas noções de tempo. O equivalente em sânscrito de Cronos é Kala. O nome hindu para Kairos é Ritu. Cronos e Kala se associam com a ideia de morte. Cronos era personificado pelos gregos como o deus Saturno ou Júpiter, que devorava seus filhos. Kala dá o nome à deusa Kali, que dançava sobre cadáveres com um cinto de caveiras e demandava sacrifícios humanos em seus rituais. Já Kairos era pintado pelos gregos como um jovem alado, que voava ou andava sempre correndo, com uma navalha na mão e que tinha um topete e a nuca careca. As asas significavam como os momentos Kairos eram tênues bem como agudos como a navalha, podendo ser aproveitados ou não, pender para um lado ou outro. O topete era para que aquele que o encontrasse o agarrasse de frente e a careca significava que aqueles por quem Kairos passou, por mais que queiram, não conseguirão pegá-lo por trás.
Viver em Cronos é viver na rotina dos hábitos definidos pelo relógio (a hora de acordar, de trabalhar, de comer, de dormir, de tomar banho) e pelo calendário (o dia do jogo, o dia da festa, do aniversário, as férias, o tempo de plantar e de colher). O redemoinho das engrenagens das rotinas sincronizadas nos suga para satisfazer a máquina de produção e consumo da sociedade moderna. Lutamos para entrar no redemoinho e nele ficamos contentes por merecer um Kairos padronizado sem grandes riscos e surpresas: nascer, brincar, estudar, formar-se, arrumar emprego, casar, ter filhos, construir casa, comprar carro, formar filhos, aposentar-se, brincar de novo, adoecer e morrer.
Vivemos em Cronos, mas somos Kairos. As realizações que nos orgulham e nos constituem, via de regra, fogem à rotina. Os infortúnios que nos afetam também.
Em 1985 um grupo de líderes religiosos negros da África do Sul redigiu o Manifesto Kairos em resposta ao endurecimento do Apartheid, que começava assim: “O tempo é agora. Chegou o momento da verdade.” O Manifesto evocava a ideia de um tempo maduro para a mudança no sentido do avanço ou do retrocesso, dependendo da ação ou da inação. Mas os momentos Kairos não precisam ser dramáticos, trágicos ou heroicos. Podem ser também pequenos momentos na vida de uma pessoa, vividos com plenitude ou em estado de fluxo. Aqueles momentos perfeitos que ficam para sempre na nossa lembrança.
Cronos e Kairos têm ritmos complementares. Se Cronos tarda a passar, Kairos se acelera. Os dias são longos, mas as crianças cresceram e se foram. As semanas de trabalho são intermináveis, mas chafurdamos na rotina para ganhar a vida e nem notamos como ela passou depressa, exceto pelas rugas e cabelos brancos – as marcas de Cronos.
Da mesma forma quando Kairos tem um ritmo intenso Cronos parece se estender. Como aconteceram coisas neste último ano: compramos a casa, iniciamos a empresa, o filho foi morar longe, o pai morreu! Parece que foi uma década!