Trabalho de luto. Trabalho requer esforço. Esforço para gerar um resultado. Um resultado que tenha valor.
Luto é trabalho. O luto requer esforço. Esforço da resignação à vida, esforço para não desistir, para resistir à morte, à tentação da morte. Esforço para voltar a escolher a alegria, para afirmar o direito à felicidade. Requer esforço, pois se sonda o abismo: a gravidade – força gravitacional, não sisudez – da morte, do nada. O luto é uma subida, uma volta ao plano e ao pleno, depois do escorregão no nada, no vazio. Vazio de sentido, vazio de sentimento, que muitos preferem à dor da perda.
Luto é trabalho. O luto tem um objetivo, visa um resultado. Qual? A volta. A capacidade de voltar a sorrir, mesmo sem inocência, apesar de conhecer a dor e o horror, apesar de saber. Esta é a força maior: resistir à força maior do destino. Nosso destino é a morte. Por isso é preciso escolher a vida.
Luto é trabalho. Trabalho da perda. Aprendizado da perda. Aprendizado da morte. Aprender a morrer é aprender a viver. Sem medo da própria morte, ensinava Epicuro, pois esse medo não tem sentido. Nossa morte não nos alcança: quando ela advém, já não somos nem sentimos. O sentido do medo, sua utilidade? Evitar a dor. Medo: dor subjetiva e preventiva para evitar a dor real. Não há sentido no medo de uma dor que não será sentida, que não pode ser dor presente. Medo sem sentido, da morte inevitável, inunda a expectativa. Consciência da morte, convicção do medo, pecado original.
Se eu não sofrerei na minha morte, porque sofrer por ela antes? Porque a morte nos alcança antes pela perda. Dos pais, da juventude, da saúde, da potência, da inocência, da vitalidade. Perdas naturais, esperadas, adiadas, inexoráveis. Ou perdas inauditas: a perda de um filho, a perda de um órgão.
E a perda do tempo! Esta morte (ou vida?) a conta-gotas, que os inconscientes não percebem ser um rio. Cada dia a mais, cada minuto a mais, é um dia a menos, um minuto a menos. Cada dia ganho de experiência é um dia a menos de vivência e um dia a menos de expectativa. Um ganho (a experiência) para duas perdas (do desfrute e do sonho). O valor do que se perde se transmite ao que se ganha, se se escolhe com consciência. Aceitar esse fato, compreendê-lo e acalentar-se com ele é o que se chama de sabedoria.
Luto bom, luto mau. De qualquer forma, por qualquer perda, o luto requer uma parada e recolhimento. Uma quebra na continuidade inconsciente da vida agitada, do movimento sem sentido. Tempo de reflexão: afinal qual o sentido? Tempo de acalanto – desespero consciente: desistir da esperança e da ilusão – luto bem feito. Não se trata de esquecer. Esquecimento sedativo. Sedar-se, matar-se um pouco, anular um pedaço de si. Ou tempo de catarse e esquecimento – desespero inconsciente: revolta contra a desilusão, volta a uma ilusão forçada, falsidade, loucura – luto mal feito.
No fim do luto bem feito, a volta. A volta ao caminho. Qual o sentido? O sentido não está no fim. Pois o fim, certamente, é a morte. O sentido da vida não está no destino, mas em percorrer o caminho. Da melhor forma possível. Se não há o bem, se não há um sentido dado, é preciso criá-los ou escolhê-los a cada passo.