Dinheiro todo mundo sabe o que é, mas o que significa? Meio de troca, reserva de valor, unidade de contabilização. Vários e distintos conceitos, todos aplicáveis, nem sempre inteligíveis. Um amigo diz que o valor da pessoa é dado pelo seu saldo bancário. Respondo que isso só seria verdade se todas as trocas fossem justas e imediatas e que via pelo menos dois tipos de trocas injustas: a violência e o amor.
Violência: o forte impõe, e o fraco aceita (ou até propõe, por fraqueza) o desrespeito ao seu interesse. Nietzsche diria que isso dá exatamente a medida do valor ético (diferente do valor moral) de cada um. O fraco pode ser moral (por medo) mas não ético (por consciência do seu valor). Quem não vê valor em si mesmo, não se reconhece como árbitro legítimo dos seus valores e os buscará na opinião dos outros – os fortes, que se reconhecem como e se constituem em fonte de valor. Para Nietzsche o amor-próprio é a fonte de todo valor – e de toda força, o que para ele é a mesma coisa. Idealizado ou cínico, o poder se impõe pela força e se justifica pela sua eficácia, política boa é a que triunfa. O cinismo político de Maquiavel diz tudo: os fins justificam os meios, e o fim é a vitória. A moral da política não é a moral da virtude. A moral da política é a vitória. Injustiça pois, que seja: o ganho de um e a perda de outro é a própria afirmação do poder quando se constitui em valor.
E o amor? Como pode ser injusto se é absolutamente voluntário? Ora, o termo voluntário é empregado em dois sentidos. Num, designa o próprio agir (por oposição ao reagir): a escolha livre, consciente e responsável de um ato. No outro, vai mais além para designar a ação livre, consciente e responsável, sim, mas desinteressada ademais. Neste segundo sentido só é voluntária a ação que não visa o interesse próprio e o benefício imediato ou individual. O trabalho voluntário não pode ser remunerado. Dar sem esperar retribuição: injustiça, pois. Nada mais voluntário neste sentido do que o amor. Amor digo, não desejo. Nietzsche diria que só uma alma forte é capaz de um amor assim, totalmente independente e desinteressado. Poder-se-ia objetar, e com razão, que tal ato amoroso não é desprovido de interesse, que os interesses (valores) que o movem são de uma ordem maior, mas ainda individuais, têm sua fonte no próprio indivíduo (forte) que age e não no objeto. Amor digo de novo, não altruísmo. Só um eu forte para se libertar do peso do “caro eu”, aquela fonte de engano das ilusões de ótica que privilegiam o aqui, o agora e o eu (narcísico), e simplesmente amar. Amor, a virtude mor, ou a essência de todas elas: o sentimento é tudo, a intenção basta, a conquista não é o objetivo. O poder é forte e conquista o que deseja, o que lhe falta. A virtude é boa e o amor é pleno, nada pede, nada quer, nada lhe falta. Em ética, virtude é tudo, poder não é nada.
Duas injustiças então, dizia eu: violência e amor. O desrespeito ao interesse do outro e o desrespeito ao interesse próprio (no sentido imediato). Nas trocas entre o poder violento e a virtude amorosa, o saldo pende para o primeiro. O saldo bancário, bem entendido. Talvez, para Nietzsche e Ayn Rand, para quem poder e valor se igualam e que vêm o egoísmo como fonte do bem, o valor da pessoa seria então esse saldo. Mas para Jesus, Spinoza e Diógenes, valor é ética, poder é outra coisa, e para eles, o egoísmo é a fonte de todo mal e de todo erro, e só o amor constrói, e o valor seria então o inverso do saldo bancário.
Onde a verdade? Você escolhe. No fim, uma questão de opinião e de gosto, pois qualquer raciocínio em termos de juízos de valor chega aonde partiu. Meu amigo está certo do seu ponto de vista, ele escolhe o poder como critério de valor. Meu amigo está errado do meu ponto de vista, eu escolho a virtude.