Cultura é “in”. Impressiona a memória fática, que reduz os grandes vôos do espírito às suas circunstãncias psico-sociais. Cultura é útil. Ao contar a história das idéias e dos sentimentos, encadeados como causas dos seus efeitos e efeitos das suas causas, ajuda o homem a ser agente e causa, mais do que vítima e efeito, da sua circunstância. Idéias estão aí há séculos, entrando e saindo da moda, ao sabor dos sentimentos vigentes. Parecem inatas, mas são pensadas e sentidas. Tão mais inatas parecem quanto maior a carência afetiva da época que anseia por elas. Dogmas são convicções entranhadas, portanto mais intestinas do que cerebrais. Mas chega de filosofia em primeira mão, vamos à de segunda, que tem mais autoridade.
O estoicismo de Zeno disputou com (e perdeu para) Epicuro os corações e mentes dos séculos 2 e 3 AC. A primeira disputa entre as duas grandes filosofias morais da Antiguidade, não foi um 4×0, mas um 6×4. No segundo turno, em Roma, o estoicismo teve a sua desforra, agora sim, 4×0. Foi só mais recentemente, a partir do Renascimento e, com mais ênfase, nos séculos 19 e 20 que o epicurismo voltou à primeira divisão.
O princípio ético do estoicismo (aí o útil) é: o que importa é a virtude, única finalidade verdadeira. Nisto, afirma a liberdade humana. Virtude depende apenas da vontade e a vontade é sempre livre para ser boa ou má. Felicidade é praticar a virtude, evitando o engano dos prazeres mundanos. Mais do que prazer, é paz de espírito, ausência de dor, tranqüilidade e harmonia – estado de alma designado como “ataraxia”. É evidente o parentesco com o desapego budista. O segundo princípio estóico, o deteriminismo, encerra uma contradição. A vontade é boa quando está de acordo com a Natureza, entendida não como realidade contingente, mas como princípio orgânico do Universo, com suas leis e finalidade.
O “in”teressante não é a história do campeonato, mas a emoção da partida, a circunstância do goleador. Os heróis do segundo turno do estoicismo romano são Sêneca, Epícteto e Marco Aurélio, um ministro, um escravo e um imperador. Sêneca foi marcado pela contradição. Adepto da virtude reta e da simplicidade, foi o tutor de Nero, e, sob seus auspícios tornou-se um dos homens mais ricos do seu tempo. Nero, porém, redimiu-o moralmente pelo suplício, condenando-o à morte, e concedendo-lhe a graça do suicídio, no que pôde imitar Sócrates, o “santo” do estoicismo.
Epícteto, escravo, fresteava as aulas dos filhos do amo. Espírito interessado e interessante, impressionou o tutor, que o levou para Roma com os jovens amos estultos. Voltou filósofo, estóico, mas ainda escravo. O amo questionou seu estoicismo radicalmente, colocando sua perna num torno: “quem controla a tua vontade?”. “És dono do meu corpo, não da minha vontade”, continuou respondendo Epícteto até ter a perna estilhaçada, coxo para sempre. O amo, acabrunhado pelo remorso deu-lhe a liberdade (de corpo). Epícteto escreveu “A Arte de Viver”, com conselhos úteis repetidos pelos manuais de auto-ajuda modernos, sem citar a fonte esquecida ou ignorada: distinga o que depende da sua vontade e o que independe dela, aja apenas sobre o que pode influenciar e não se deixe influenciar pelo que está fora do seu controle; não são as coisas que nos perturbam, mas sim o significado que lhes emprestamos; o que fazemos é menos importante do que a maneira como o fazemos: a harmonia da vontade com a Natureza é o seu maior ideal; aceite a realidade como ela é, sem ilusões; concentre-se na realidade do presente, que será verdadeira para sempre; caráter importa mais do que glória. E por aí vai.
Marco Aurélio, último imperador da época áurea dos Antoninos, escreveu as “Meditações” para si mesmo. Precisava muito da força moral que pregava. Enfrentou pestes, guerras e insurreições. Seu único filho, Cômodo (retratado no filme Gladiador), acabou sendo um dos piores entre os imperadores maus, mas ocultou sua índole durante a vida do pai. Durante as longas ausências de Marco Aurélio nas campanhas de guerra e missões de paz, sua esposa Faustina, foi acusada de imoralidade. Ele morreu no campo de batalha, em paz consigo e admirado pelo povo. Seu legado imediato foi infeliz, mas sua influência filosófica e autoridade moral perduram.