Gestão do tempo: administração, filosofia ou religião?

A gestão do tempo surge como um capítulo da ciência da administração de empresas com o objetivo de aumentar a eficiência do processo produtivo, a minimização do custo resultante da redução do tempo despendido e da manutenção do foco nas tarefas do trabalho. Supõe-se, então, que o bom desempenho da função profissional na organização seja a finalidade primordial da pessoa e que os objetivos do seu trabalho são definidos em outra esfera de poder. Ora, robôs, se já não são, serão mais eficientes do que pessoas. Uma forma de amenizar esse foco desumanizador é dizer que a redução do tempo do trabalho conseguida com as técnicas da eficiência aumentará o tempo disponível para a vida pessoal, como se trabalho e vida fossem antagônicos. De fato, na sociedade de consumo, a ideia de vida é associada ao desfrute do prazer, que pode ser comprado na forma de experiências ou de objetos de desejo. O trabalho é apenas o lugar onde se vende o tempo em troca do dinheiro necessário para comprar as coisas que dão prazer. Entendo que essa visão parcial da gestão do tempo pode ser uma má gestão da vida, indicativa de uma forma de alienação. Priorizar a minimização do tempo despendido e esquecer ou desconhecer o objetivo e o significado do trabalho significa priorizar a eficiência em detrimento da eficácia. Se isso ocorre nas organizações onde o objetivo já está dado, na gestão do tempo pessoal, a questão é muito mais frequente e mais grave, pois muitas pessoas não conseguem ou não ousam se questionar sobre o que querem na vida, mergulhadas numa rotina que lhes é prescrita e preocupadas apenas em ganhar dinheiro para sobreviver ou comprar objetos de prazer. A vida vegetativa busca sobreviver, a vida animal busca o prazer e foge da dor, a vida racional visa agregar valor afetivo, moral, artístico, econômico, financeiro etc. Preocupar-se em minimizar o tempo do trabalho sem questionar quais valores queremos colocar na nossa vida é o que eu chamo de alienação do trabalho.

Tempo é vida e a gestão do tempo-vida não é objeto da administração de empresas, mas sim da filosofia, cujo verdadeiro objetivo não é só o estudo e a contemplação, mas a sabedoria – a arte de viver: “pensar a vida e viver o pensamento” nas palavras de Comte-Sponville. Em se tratando de uma arte com seus misteres ela será, pelo menos em parte, prescritiva e não apenas descritiva. Então, não existe “a filosofia”, existem filosofias que convergem ou se antagonizam e que, facilmente adquirem um aspecto doutrinário. A filosofia busca promover valores: a verdade (epistemologia), a justiça (política), a felicidade (ética) e a beleza (estética). A busca pela verdade, justiça, felicidade e beleza começa por colocar em dúvida as opiniões e certezas, que muitas vezes se revelam como preconceitos sustentados pela força do hábito, dos costumes e da tradição ou pela força bruta mesmo. Logo, a essência da filosofia é o questionamento e as atitudes filosóficas por excelência são a dúvida e a crítica. Confúcio dizia: “o sábio não tem ideia”, no sentido de que a sabedoria consiste em avaliar qualquer situação sem ideia preconcebida e formar juízo com base na intuição, conhecimento e raciocínio corretos – alinhados com a verdade cambiante.

Mas quem pode viver na dúvida? Uma vida provisória não se afirmaria em ação. A ação precisa ser afirmativa e a dúvida conduz à hesitação, pelo menos para a média das pessoas. É necessária muita sabedoria (ou muita ignorância) para agir na dúvida. Então, para atingir os espíritos práticos, muitos filósofos deixam de questionar e duvidar e passam a afirmar e prescrever. Assim, seguem uma tendência demasiado humana de cristalizar suas ideias em doutrinas que se pretendem verdades universais e eternas. Então, aquela filosofia se torna uma religião, o respectivo filósofo um semideus e os discípulos se dividem entre apóstolos e crentes. Quando a filosofia deixa de questionar e se torna defesa de convicções é sinal de que deixou de ser filosofia e se tornou religião – venda e defesa de ideias e não mais a promoção de valores.

Quando gere-se o tempo apenas focando em aumentar a eficiência do processo produtivo, com o trabalho como finalidade primordial da pessoa, cedo ou tarde se irá encarar o fato de que robôs ou já são ou serão mais eficientes que os humanos.

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