Duas formas de felicidade

“O dinheiro não traz felicidade, mas permite comprar uma série de coisas que dão uma sensação muito parecida.”

Woody Allen.

A felicidade a que Allen se refere é chamada Hedonia. Se a felicidade é uma sensação, essa sensação é de prazer e, para Aristipo de Cirene, um discípulo de Sócrates, o prazer (hédon em grego), seria “a felicidade”: a satisfação de necessidades e desejos. Deve-se notar que o eixo da hedonia está fora da pessoa: nos objetos ou experiências que satisfarão as necessidades e desejos que emanam do corpo.

Aristóteles, entretanto, propôs que a verdadeira felicidade deve estar associada àquilo que é a virtude própria do ser humano: à sua racionalidade e não só ao corpo e às sensações que ele compartilha com os outros animais. Seria uma sensação derivada do pensamento: um sentir-se feliz por saber-se feliz. Esta forma de felicidade chamada Eudaimonia (do grego eu = bom daimon= espírito), que poderíamos traduzir por bem-estar, tem seu eixo na própria pessoa, na sua satisfação consigo mesma. Em sua “Ética a Nicômaco” Aristóteles sugere que esta felicidade se atinge pelo desenvolvimento do caráter através do cultivo de virtudes morais, que definem bons hábitos de equilíbrio em relação às emoções e sentimentos. A prática das virtudes morais constitui a formação do caráter, que modula o temperamento herdado geneticamente para que não sejamos vítimas de nossos impulsos. Para Platão, a virtude maior é a prática da razão que ilumina a alma para que ela domine as paixões do corpo. Já para Aristóteles, as virtudes estão associadas a bons hábitos de comportamento no meio termo entre os vícios da falta e do excesso. Assim, a coragem, entre a covardia e a temeridade. Enfrentar o medo é coragem; ser dominado por ele é covardia – a falta de coragem; do outro lado, ignorar o perigo é temeridade, ignorância do perigo – excesso de coragem. Virtude, então, é o equilíbrio no trato das paixões.

Para a psicologia positiva a vida sem prazer é vazia ou seca, conforme o diagrama que ilustra essa página [1]. Eu diria que é impossível. Aristóteles admite que a Hedonia (a satisfação de necessidades e a fuga da dor) é essencial para a sobrevivência do animal homem. Mas para ele o homem é um animal racional e social, e uma vida bem vivida deveria se pautar por valores significativos e pelo senso de pertencimento.

Enquanto a Hedonia é mais intensa do que a Eudaimonia, ela é também mais fugaz. Essa combinação de excitação intensa e fugaz, facilmente gera uma sensação de falta, do tipo “quero mais” que conduz a um comportamento viciado.

A sociedade de consumo promove a Hedonia para vender objetos de desejo. O vício em compras já era corrente com as técnicas da propaganda tradicional. Com a Internet e a evolução dos conhecimentos sobre o cérebro, a produção de dopamina (neurotransmissor que provoca a sensação de prazer e aumenta a motivação) pode ser estimulada com efeitos de tela, o que induz um comportamento viciado de consumo de informação rápida. Paralelamente, audiência passou a ter alto valor e a competição se deslocou do bolso do consumidor para a sua atenção. As pessoas têm sua atenção sequestrada e têm prazer com isso. Nada mais distante da Eudaimonia aristotélica.

Aliás, a Eudaimonia dificilmente pode ser induzida. É mais um processo de florescimento em que não se trata apenas de sentir prazer com a experiência, mas sim de sentir que ela tem significado. A propósito, Viktor Frankl, discípulo de Freud, afirmou que a motivação humana teria uma vontade de sentido, além da vontade de prazer postulada por seu mestre e da vontade de poder, defendida por seu colega Adler.

Hedonia e Eudaimonia não são mutuamente exclusivas. Como o gráfico ilustra bem, uma vida plena combina o prazer na medida certa com a busca de significado e o senso de propósito e pertencimento.

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[1] O diagrama da ilustração é uma versão daquele apresentado pelo Dr. Nico Rose em https://bit.ly/371MZmk