Verdade

In vino veritas

Se a filosofia busca a verdade será que a encontra? Ou, mais provavelmente, encontraremos a verdade na(s) garrafa(s) de vinho como diz a epígrafe?

Tentemos, primeiro com a filosofia. A palavra “verdade” tem vários significados, mas em geral seria uma propriedade daquilo que é verdadeiro, por oposição ao falso. Quatro palavras antigas descrevem distintos sentidos de verdade.

ALETHEIA[1] é a palavra grega que refere a verdade como revelação, desvelamento ou descoberta da essência por trás das aparências enganadoras. Nesse sentido é que se desenvolve a ciência na busca de um conhecimento verdadeiro. Platão definiu conhecimento (episteme) como a crença verdadeira que sabe justificar sua conexão com a verdade, enquanto a opinião (doxa) é a crença baseada na intuição das aparências que se justifica apenas pelo hábito.

VERITAS é a palavra latina que refere a veracidade do discurso como correspondência aos fatos, a fidedignidade do registro da realidade, que observa e descreve, mas não prescreve, que infere, mas não julga nem avalia, não ordena nem condena. Ainda se trata aqui do conhecimento ou do relato dos fatos, que se verifica verdadeiro se confirmado pela experiência.

PARRESIA é outra palavra grega que refere a sinceridade do discurso honesto não enganador, a integridade ou coerência daquele que fala a sua verdade e não a verdade que os outros esperam. Dizer a sua verdade a qualquer custo e sem outra finalidade é uma virtude, um dever e uma capacidade – quase uma técnica. Virtude da franqueza, da transparência. Honestidade de quem nada esconde. Dever de mudar de opinião para respeitar a verdade que souber se justificar. Capacidade de convencer pela mera enunciação da verdade, sem recursos de retórica.

EMUNAH é a palavra judaica que refere a verdade como confiabilidade, fidelidade à palavra divina e à palavra empenhada, à promessa. É a verdade da fé, convicção inata, independente da razão.

Um quinto sentido mais moderno, dado por Kant, é o de conformidade à norma, aderência ao padrão, obediência à regra. Entendo que este é o mesmo sentido de Habermas, que define verdade como consenso.

O conhecimento do real é a base de toda realização e a orientação de toda ação humana. Então, um outro critério da verdade é a eficácia da ação, que nos dá um sexto conceito também moderno: o da verdade pragmatista como utilidade para a ação.

“Aletheia” e “veritas” sugerem uma finalidade epistemológica: a verdade do conhecimento, por oposição ao erro; ou talvez metafísica: o conhecimento da coisa em si, o que foi problematizado por Kant ao postular que o conhecimento nunca é das coisas em si (os númenos), mas dos “fenômenos” que constituem o mundo da experiência – o encontro do númeno com o intelecto.

“Parresia” e “emunah”, assim como as definições modernas se ligam a uma finalidade moral ou política, a verdade perante o outro, por oposição à mentira e ao engano. Esta verdade moral é a base da vida social e das instituições humanas.

Exceto talvez para o conceito de “Aletheia” da verdade como revelação, pode-se dizer que os outros significados definem apenas critérios para qualificar a palavra, o conhecimento ou o pensamento como verdadeiro: a correspondência ao fato, a fidelidade à promessa, a coerência do discurso, a conformidade à norma, a utilidade para a ação. Tanto assim que Ockham irá identificar verdade como “proposição verdadeira”, retirando qualquer aspecto metafísico do conceito. Isto é, não existiria “a” verdade, mas apenas o atributo “verdadeiro” de algo.

O que pode ser verdadeiro ou falso? Aristóteles postulou que a verdade está no conhecimento da coisa e não na coisa em si. Então, apenas pensamentos, crenças e proposições, geralmente articulados em palavras, seriam portadores da verdade. Entretanto, se diz que uma joia é verdadeira ou falsa em si mesma, independentemente do fato de o sabermos ou não. Porém, a joia falsa não é uma joia em si, somente a joia verdadeira o é. Assim, Aristóteles formulou também o postulado de que o critério da verdade estaria na coisa em si e nunca no discurso. Mas o mesmo Aristóteles “salvou as aparências” ao enfatizar que para explicar o mundo sempre é preciso tomar como base a nossa experiência dele.

Vemos assim que a filosofia joga tantas luzes distintas sobre aquilo que quer explicar que acaba por nos ofuscar ou, pelo menos embaralhar nosso entendimento. Ora, se é para embaralhar, prefiro continuar minha busca abrindo outra garrafa de vinho.

[1] De “a“: negação + “lethe”: esquecimento.

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