Procrastinação Racional

Alguns povos só contavam até um determinado número acima do qual tudo era designado como “muito”. Outros tinham uma forma de contar relativa de forma que um mesmo número poderia ser designado de formas diferentes dependendo da situação inicial do conjunto. Por exemplo iniciando com um item de forma cumulativa, cinco itens eram designados como “muitos”. Iniciando de dez itens de forma subtrativa, os últimos cinco itens eram chamados de “poucos”. Embora possamos estranhar essas formas “primitivas” de contagem, creio que nossa percepção natural de prazo tem muito a ver com isso.

É sabido que temos uma tendência natural à procrastinação (do latim “pro” – no sentido de; “crastinus” – amanhã ou futuro). Obviamente, não se consegue fazer imediatamente tudo que precisamos, devemos ou queremos. Então, muito precisa ser adiado. Porém, existem duas formas de adiamento: a natural ou primitiva e a racional, que precisa ser aprendida.

A procrastinação natural adia tudo para um amanhã indefinido, como se além de hoje todo o futuro fosse um longo amanhã, muito semelhante às formas de contagem primitivas. Esta é a forma natural (e não muito inteligente) de trabalhar com pendências ou listas de tarefas.

Agendar uma ação é adiar sua avaliação até uma data definida quando se irá priorizar a execução daquela tarefa. Esta data deve ter uma razoável antecedência em relação ao prazo da tarefa. Este adiamento racional, no fundo, consiste em “decidir esquecer” daquela tarefa até aquele dia. A procrastinação primitiva, ao contrário, faz com que a pessoa fique se preocupando com todas as pendências sempre, o que gera angústia e prejudica o foco naquilo que se está executando. Pior: como se tem muitas coisas sempre, acaba-se priorizando o que é rápido ou fácil, e as coisas mais difíceis e importantes só entram na agenda e são executadas em cima do prazo e às pressas, o que gera ansiedade, quando não perdas.

Nos cursos da PowerSelf, procuro quebrar com um “mindset” muito comum de gestão do tempo, que consiste em marcar hora para o que se tem para fazer hoje (geralmente ocupando o dia inteiro) e ter uma lista de pendências para fazer se sobrar tempo (que geralmente fica nas caixas de entrada). Ora, esta forma rígida não lida bem com imprevistos e gera sensações de angústia, ansiedade, culpa e impotência, resultando em uma baixa qualidade de vida. E essas pessoas, sem se dar conta de que novas demandas sempre chegam na forma de interrupções que significam oportunidades de escolha, queixam-se das interrupções como se elas fossem as culpadas por seus problemas de tempo. Esta quebra de paradigma se dá com dois aprendizados que, além de serem compreendidos racionalmente, precisam ser praticados sistematicamente para que se consiga alterar as tendências naturais e primitivas.

O primeiro aprendizado é que “prazo não é hora marcada”. É preciso distinguir entre as coisas que fazemos “com” outras pessoas, que precisam de hora e local previamente marcados, das coisas que fazemos “para” os outros (ou para nós mesmos), que têm prazo, mas só excepcionalmente terão hora marcada. As primeiras eu chamo de compromissos, que seguem o relógio e requerem um tratamento mais rígido; as segundas designo como tarefas ou ações, que são executadas na ordem das prioridades cambiantes e onde nossa liberdade é maior. Compromissos são marcados em calendários ou agendas com dias e horas. Tarefas e ações são marcadas em listas. O erro tradicional consiste em marcar hora para ações e tarefas, bloqueando-se desnecessariamente e geralmente em cima do prazo, mantendo em paralelo listas de pendências sem data. No Brasil, as agendas mais comuns têm horários para todos os dias do ano, o que induz esse comportamento de marcar hora para compromissos e para ações até mesmo em dispositivos eletrônicos. Agendas mais sofisticadas apresentam os horários do dia para marcar compromisso em paralelo com uma lista de ações diárias. Essas listas de ações têm três campos: um para a descrição da ação; outro para marcar a prioridade que orientará a ordem de execução; e um terceiro para marcar o status (completado, descartado, reagendado, em processo, delegado, etc.). A nova prática de marcação consiste em:

1) Ter uma agenda com listas diárias de ações integradas com, mas separadas dos, horários;

2) Não marcar hora para ações e não ocupar o dia inteiro com compromissos, reservando um tempo livre adequado para as ações;

3) Ao receber uma demanda de ação avaliar seu prazo e marcar o lembrete para executar numa lista diária com bastante antecedência – mas evitando colocá-la na lista de hoje ou de amanhã.

4) No fim do dia, reavaliar os prazos e agendar as ações pendentes para outros dias que não amanhã.

Este primeiro aprendizado permite organizar as ações em um futuro com datas definidas e distintas. O segundo aprendizado é adotar o hábito de fazer um planejamento diário todos os dias no início do dia ou, de preferência, no fim do dia anterior, o que garante a calma necessária para um bom planejamento. No início do dia arrisca-se a já ser tomado pela síndrome da urgência quando tudo o que lembramos parece que deve ser feito imediatamente para não ser esquecido. Este tempo calmo de cinco minutos é a essência do planejamento tático e consiste em:

1) Completar a lista de ações do dia e priorizá-las em função de suas importância e urgência relativas;

2) Confirmar ou remarcar os compromissos do dia.

Esta técnica (e muito mais) está explicada no meu livro Tempo e Razão, disponível em PDF somente no site da PowerSelf (https://www.powerself.com.br/public/curso/tempo-e-razao), pois é uma obra em constante evolução, aberta ao aprendizado do autor e à contribuição do leitor.

Texto: Jaime Wagner

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