Cap.1 Escravos do Tempo – Parte 6

Tempo Efêmero – Vida Virtual

Todos idolatram a inovação, o conhecimento e a informação como se fossem fins em si mesmos. Esquecem que a informação é um instrumento, embora seja um poderoso cinzel. Ao invés de usá-la como escultores, muitos se deixam moldar por ela, tornado-se as próprias esculturas. Aqui, vale citar Tzvetan Todorov : “A ciência não produz valores, só conhecimento, a política e a moral é que produzem valores. Toda pretensão de fundar a política ou a moral sobre a ciência é uma impostura, porque se pretende que são por razões científicas que preferimos uma política a outra. Na realidade, é sempre porque nossa vontade escolheu tal valor ou outro.”

Há uma enorme indústria de mídia, cuja matéria-prima é a novidade, a notícia que, depois de consumida, perde seu valor. O diferencial competitivo entre produtos, empresas e pessoas, relacionado à inovação, é cada vez mais efêmero. Se um produto inovador faz sucesso, logo em seguida é copiado. Se uma empresa inova na forma de prestar um serviço, logo é imitada. A velocidade de difusão da informação torna a diferença efêmera, a obsolescência rápida e faz da padronização a regra. A qualidade total, em produtos e serviços, normatizada e adotada universalmente, é um requisito que, em pouco, não constitui mais diferença.

A moda, impulsionada pela mídia e pela comunicação, também é cada vez mais universal e, paradoxalmente, efêmera. Há uma moda universal, de massa, e uma moda local, segmentada. Só que o “local” não tem mais nada a ver com a localização geográfica. A comunicação entre grupos com interesses comuns cria estilos de vida típicos, independentes de origem ou país. O vínculo cultural local e natural é substituído por um vínculo cultural virtual e adotado. Estudam-se hábitos de consumo, os tipos são catalogados e classificados por um mercado fornecedor que lhes oferece produtos sob medida. Neste processo, a diferenciação é catalogada, estereotipada e produto e consumidor se padronizam mutuamente.

Lê-se mais jornal do que livros, pois não há tempo a perder. Entretanto, jornalismo e filosofia lidam com informação e conhecimento de formas opostas. À filosofia interessa a informação mais perene: a verdade essencial e permanente. O jornalismo lida com a notícia: a novidade imediata e fugaz. Enquanto a sabedoria mais antiga é a melhor filosofia, a notícia de ontem já é velha. A filosofia sonda os aspectos mais sutis das idéias e das palavras, procura a perspectiva múltipla que questiona a si mesma, buscando o olhar mais incomum para tornar-se mais universal. O jornalismo, assim como a propaganda que o alimenta, busca a universalidade pela identidade. Usa a linguagem popular, local e comum, traduzindo e filtrando tudo o que possa não ser compreendido pela cultura em que se insere. Nos tempos que correm, a inundação de notícias, propaganda e informações fugazes é tanta que o público perdeu a noção das antigas verdades maiores. Assim, elas ganharam ares de novidade, viraram notícia. Boa nova: a sabedoria reciclada em auto-ajuda é comercializada nas esquinas da Internet da mesma maneira que os sofistas faziam na antiga Atenas.

A pessoa não mais interessa. Interessa a imagem que ela projeta. A mídia celebra a imagem. As relações não se fundam mais na convivência, no relacionamento, não há tempo para isso. As relações são trocas pontuais e fragmentadas, retalhos de imagens projetadas nos diversos meios em que o indivíduo circula. Nessa lufa-lufa, não é de se admirar que os indivíduos percam a noção de si mesmos. Afinal quem sou eu? Onde está o meu valor como pessoa? A resposta a estas questões fundamentais é dada rapidamente, pois, afinal, não há tempo a perder. Fica-se na casca da personalidade, nas “personas”, nas máscaras sociais, nas imagens projetadas. “Fulano é um executivo de sucesso. Seu valor pode ser atestado pelo crescimento da sua empresa.” E então o próprio fulano se vê assim. Quem sou eu? Sou um executivo de sucesso! Um papel assume a preponderância e nele se centra toda a sua vida. Não é de se admirar que lhe falte equilíbrio, que se sinta muitas vezes um pai medíocre ou uma pessoa sem amigos verdadeiros. É natural que se sinta inseguro em relação ao seu valor pessoal, pois o valor da imagem na qual está centrado lhe pode ser retirado, de uma hora para a outra, por circunstâncias fora do seu controle.

Administrar o tempo-vida é uma questão de valores e de auto-conhecimento. É uma questão ética e moral. É uma única questão que não se situa no campo da administração ou da economia, mas no da filosofia. E esta questão é: “O que fazer do meu tempo?”. A resposta que cada um dá a esta questão define o significado e o valor da sua vida.

Os dois pilares da sabedoria no templo de Apolo, em Delfos, eram: “Conhece-te a ti mesmo” e “Nada em excesso”: auto-conhecimento e equilíbrio. Até que ponto conhecer e aceitar a si mesmo e até que ponto mudar? Até que ponto aceitar as circunstâncias e até que ponto buscar modificá-las? Reconhecer que a mudança interior é a base necessária para a mudança das circunstâncias. Refletir sobre estas questões é o que torna as pessoas livres e responsáveis: homens de ouro, na acepção platônica. Este é o início da correta administração do tempo. Não ter tempo para elas é escolher manter-se como homens de ferro, escravos do tempo.

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